Sugira, critique, participe, contribua, toque uma, apareça!

mulheresqbebem@gmail.com

23 de set. de 2011

Conto de fadas


Não quero mais ser a princesinha do conto de fadas. Não quero mais ser a personagem com personalidade definida, espaço determinado. E se, de repente, me der vontade de gritar para o mundo? Mocinhas só gritam para pedir socorro aos seus príncipes.

Essa história não tem lógica. Eu me perco entre as linhas do que escrevo e do que é escrito sobre mim. Seria mais fácil se eu pudesse me enfiar debaixo das palavras. Talvez seja isso mesmo que me falte. Sou muito sozinha, mas nunca soube o que é viver na solidão. Posso tentar me esconder desse enredo. Mesmo sabendo que não posso fugir de mim mesma.

Quem sabe me tornar coadjuvante nos contos dos outros. Eu não começaria no “era uma vez”. Começaria lá no meio da página, mencionada em um parágrafo qualquer como quem não quer nada. O problema é que nem eu me conheço a ponto de poder dizer quem sou em algumas poucas linhas. Só a leve noção da imensidão (ou do nada) do que posso ser me assusta.

Mas pelo menos assim eu não seria protagonista, afinal, não faz bem ser personagem principal na vida de outra pessoa.

Restos de nada

Não quero minha história contada nesse livro, com um início, meio e fim. Ficaria desesperada ao perceber que as páginas estão acabando. Que graça tem viver se a gente souber exatamente onde fica o “ponto final”? Eu não quero saber do “ponto final”, mesmo se for precedido do “felizes para sempre”.

Eu quero a eterna dúvida de quando, de fato, uma história termina. Eu quero a tristeza constante do fim de histórias inacabadas. Eu quero milhões de histórias, todas sem finais. E isso meu conto de fadas não pode me dar.

Vou jogar meu livro na fogueira, antes dele ser terminado. Ninguém vai ler sobre mim. Porque eu quero, eu preciso ser muito mais do que me dizem essas linhas.

E que vá para o inferno meu reino, meu castelo, meu príncipe encantado. Eu só queria poder viver.

18 de set. de 2011

Fuga


Gosto de você de uma maneira muito egoísta. Não que eu queira você só para mim. Eu sequer te quero. Mas eu quero sugar de você tudo o que não sou, mas que sei que poderia ter sido. E é tentando te absorver que me afundo em você cada vez mais. Mesmo sabendo a imensa distância que existe entre nós dois.

Não te aceito por orgulho, você não me quer por medo. E assim nos afastamos cada vez mais um do outro. Mesmo sabendo que você está ligado a mim, por motivos que desconheço. E na frustração de não te ter – de sequer te querer - fico perdida em meus devaneios, que me levam à lugares tão longe de mim.

E é me perdendo que te encontro. Mas não quero, não aceito, não posso... ter alguém tão próximo assim.

10 de set. de 2011

Mensagem subliminar


O que você pensa que é a imagem acima? Faz referência a quê?

Pois bem, em minhas andanças pelas redes sociais, me deparei com essa foto postada por uma "amiga" que estava toda feliz: era um agrado que havia comprado para a mãe naquela manhã. Eu fui lá e curti. Deixei a mensagem: "Sensacional". Ela, em resposta: "Isso é uma delícia".

Fiquei pensando como o olhar sobre algo é diferente para cada um e como palavras soltas podem sugerir uma infinidade de interpretações. Achei que o presente para a mãe era uma forma de alegrar o dia, por isso achei sensacional. Ela, a seguir, disse que era uma delícia. Sim, realmente é.

Mas em que estávamos pensando mesmo? E você, em que pensou?

9 de set. de 2011

pseudo-loucura


Ela vivia pintando o cabelo. Bebia muito, adorava fazer escândalo. Suas risadas eram muito altas, sem querer acabava chamando a atenção. Tudo era exagerado. Tinha o péssimo habito de falar demais. Teimosa ao extremo. Chorava muito. Por pouca coisa.

Tinha crises depressivas, alternadas por súbito bom humor. Nunca sabia o que queria, estava sempre em dúvida de tudo. Vivia perdendo suas coisas. Vivia cansada de tudo. Vivia querendo muito mais do que poderia ter. E para compensar toda essa falta, ela enlouquecia por aí.

Então, perguntaram:
- Você acha que se apaixonariam por alguém assim?
- Eu detestaria ser o tipo de menina apaixonável.
- Menina apaixonável?
- Sim. Aquela que todo mundo acha “a menina perfeita”, que todo mundo se encanta e acaba se comprometendo, porque ela sim é uma menina legal, que vale a pena.
- Sinceramente, eu não te entendo.
- Eu não quero alguém que fique feliz e diga “estou apaixonado por aquela mulher”. Quero alguém que se desespere ao constatar “puta que o pariu, não vai ter jeito, estou apaixonado pela maluca daquela mulher”. Se não for para me amar assim, não tem graça.

Muita gente dizia que ela era louca.

6 de set. de 2011

Redenção


Recordações antigas
Você chega me sufocando, como se quisesse espremer cada pedaço de mim e guardar em sua caixa, trancada e escondida no fundo de sua gaveta. Seu guarda-roupa não tem nada além de mofo e poeira, a escuridão só faz agravar o vazio ocupado por objetos inexistentes, que você inventa toda vez que me vê.

Não quero perder a referência de mim nesse meio de nada e nem quero ser a única referência na solidão que você se impõe. Faz frio agora, mas sua mão sempre é gelada. Não pense que posso aquecer você, não nasci para ser a salvação de ninguém. Também nunca te pedi para ser salva.

Quero que se foda toda essa sua loucura, essa obsessão de me ter o tempo todo. Não vou me afundar em você, porque antes eu teria que me desprender de mim. E viver na dependência de algo fora de mim, que não sou eu... no que eu me tornaria então?

Se eu sou feliz? Que pergunta mais sem nexo é essa? O que é felicidade? Apenas pessoas dementes acreditam que podem existir sob felicidade plena, pois não se questionam sobre a vida, muito menos sobre elas mesmas. Não quero alguém que tente me fazer feliz. Eu choro demais por motivos que são só meus, o tempo todo.

Quero alguém que me faça sorrir, mais do que me faça chorar. Alguém que me deixe dormir sozinha, perdida na nostalgia de meus sonhos. E que me deixe tomar banho sozinha, pois é sozinha que limpo a sujeira do meu corpo. Sem promessas desmedidas. Nunca saberemos as que realmente poderemos cumprir. Então me solte.

Últimas notas em meu diário
O amor já é angustiante demais para que eu me veja obrigada a perder a paz por não compreenderem que o que eu sinto é profundo a ponto de não precisar me fincar à terra, como raízes que mergulham cada vez mais baixo, afundando... Estou muito apaixonada (por tudo) para limitar a dedicação de todo o meu amor ao solo. Eu também quero o mar. Também quero o céu.

Eu quero você.

3 de set. de 2011

Déjà vu



A coberta já estava quentinha quando ele veio devagar, na surdina. Não saiu deitando ou pulando em cima. Pela parte baixa da cama, sinto um vento frio nos pés, achei que tinha descoberto pelo mexer do sono. 

Ainda sonolenta, um toque de mãos levemente sobe pelas minhas pernas. Uma respiração lenta. Parte do rosto dele encosta em mim, beijos e carícias. Excitação. E nem chegou no joelho...

Vejo a lua do lado de fora. Lua cheia. Viro e observo as estrelas. Pelos arrepiados. Rosto quente. Uma certa tontura. Lágrimas escorrem pelo rosto e molham o travesseiro. Insônia. Aquela sensação voltava a tomar conta de mim. Levanto, olho para a porta. Esperança de um déjà vu.

Água. Janela. Ligo a TV. Sofá. Mais água. Os dias não passam.

Volto. Fecho os olhos. Mentalizo: vem de novo e termina o que começou. Nada. Tem que ser espontâneo. Vira. Desvira. A mão desce pelo corpo desejando o calor dele. Não é a mesma coisa. Acredito.

Pense positivo. Solte a imaginação. Acredite de verdade. Fato. Retorne. Encontre o ponto exato: do início daquele toque ao sorriso de cansaço, satisfação e felicidade. Volte a dormir esperando o amanhã.

O amanhã...

1 de set. de 2011

Beijo Canibal


“Eu me pergunto que sede doentia é essa que te leva a tentar atingir as regiões mais sombrias de mim mesma. Quem dá a lição de Trevas, quem a recebe? Você decidiu se tornar uma espécie de areia movediça na qual eu me enterraria, mas é em você que eu vou penetrar profundamente. Vou transformar os dados do jogo. Eu estou cagando para a tua lista. Vou seguir os meus instintos. Não tenha medo, você não vai se decepcionar. Recebi o dinheiro sem problema. Em breve, enviarei a fita magnética. Há em você algo de nojento que me atrai e algo de quase limpo que me enoja. A menos, é claro, que você seja uma espécie de gênio que eu estaria parindo. Por ora, eu exploro, observo, apalpo, cheiro, lambo, eu provo, aprendo, escuto, anoto, esqueço, rio, berro, sofro, gozo, me desloco, desapareço, me subtraio do teu olhar, eu sumo. Encontro em mim um núcleo sempre mais duro, sempre mais escuro, que flutua na transparência da minha carne. Suponho que seja essa iguaria que você queria ter dentro da boca para chupar suas lantejoulas sombrias. O que você está aprontando sozinho na tua casa de frente para o mar? De grandes jorros de misticismo adolescente devem queimar seus miolos. A obsessão de escrever esse livro, de ir até o fim, de fugir das formas e das pressões, de encontrar essa tal liberdade com a qual você nos martela os ouvidos, essa liberdade que eu tenho e te empala. O artista é um miserável. Fadado à inconcludência. À insatisfação permanente. Ao sofrimento. Cada segundo deixa um vestígio em mim. Mas você? Descobri certas coisas. Esteja pronto para sofrer silenciosamente quando minha boca se aproximar de você, esteja pronto para a dilaceração, esteja pronto à dissolução, pronto para esquecer a escritura que derreterá na minha boca, as palavras que se dissolverão, se tornarão irreconhecíveis. Não haverá mais a linguagem, não haverá mais palavras. Dentadas...”

O Beijo Canibal – Daniel Odier